O Chá e o Silêncio. Conto de Maurício Menossi Flores e Inteligência Artificial.


Quero um conto bem desenvolvido, intrincado, profundo, com o seguinte mote: A bíblia proíbe evocar os mortos e eu acordo orientado, por espírito, a tomar um chá: tenho tido dias difíceis.


O Chá e o Silêncio.

Eu nunca acreditei de verdade em sinais. Dizia a mim mesmo que a fé era uma forma elegante de lidar com o caos, e que o sobrenatural era o eco das nossas carências mais antigas. Mas há três noites venho acordando no mesmo horário — 3h27 da manhã — com uma voz que não é sonho, nem pensamento. Uma voz que me chama pelo nome e sussurra:

“Levanta. Faz o chá.”

Nos primeiros dias, ignorei. Mas a voz não cessava. E, naquela madrugada, com o peso dos dias difíceis — o trabalho corroendo, a solidão feita pedra, e uma dor no peito que eu não sabia mais se era espiritual ou física — levantei.

A cozinha estava mergulhada em penumbra. O relógio piscava em vermelho, e o som do vento nas frestas fazia a casa respirar. Peguei a chaleira, acendi o fogo. A água começou a murmurar, como se também esperasse algo.

“Camomila”, sussurrou a voz.

Não era uma ordem, mas uma certeza. Peguei a caixinha de chá que ficava esquecida no armário, meio vencida. Coloquei o saquinho na xícara, despejei a água. Um perfume doce e antigo começou a subir, e por um instante me lembrei dela — minha mãe — que costumava preparar chá do mesmo jeito, sempre dizendo que camomila “era bom pra alma cansada”.

Foi aí que senti: uma presença. Não vi nada, não ouvi passos, mas algo preencheu o espaço entre a chaleira e minha pele. O ar ficou mais denso.

“Você está aqui?”, perguntei, sem saber se queria a resposta.

Um silêncio morno. Então, o toque leve — quase um sopro — no ombro.

Eu quis rezar, mas me lembrei do que está escrito — “Não se achegue a médium algum, nem consulte os mortos, pois é abominação diante do Senhor.” As palavras da Bíblia me atravessaram como lâmina fria.
Mas como ignorar aquilo que me buscava? Como negar o que já estava dentro de mim antes mesmo de vir de fora?

“Eu só queria ajudar”, disse a voz.

Era a dela. Eu reconheceria aquele timbre mesmo em outra vida.

Senti as lágrimas queimando os olhos. “Mãe, por que agora?”

“Porque você pediu. Mesmo sem palavras.”

Sentei à mesa, a xícara entre as mãos trêmulas. O chá estava quente, quase vivo. Ela continuou falando, sem que seus lábios existissem: sobre descanso, sobre perdão, sobre o tempo que não cura — só transforma o que a dor toca.

“Você precisa dormir, meu filho. E deixar ir o que não volta.”

O relógio marcava 3h59 quando o vento cessou. O cheiro de camomila se dissipou, e a cozinha ficou novamente só uma cozinha.

Na manhã seguinte, encontrei a Bíblia aberta sobre a mesa. Eu não lembrava de tê-la deixado ali. O marcador estava em Deuteronômio 18:10. Li de novo, em voz alta, como quem encara uma sentença:

“Não se achará entre ti quem consulte os mortos.”

Fechei o livro. Fui até a chaleira, lavei a xícara.
Mas quando olhei para o fundo dela, vi o resíduo do chá formando um desenho estranho — duas letras, entrelaçadas: M e F.

Meu nome. E o dela.

Desde então, não voltei a ouvir vozes.
Mas toda madrugada, às 3h27, acordo — não por medo, nem por fé, mas por hábito — e preparo o chá.
Bebo em silêncio, olhando para o vazio da cozinha, onde talvez o impossível tenha repousado por um instante.

E penso: se o que veio era amor, terá sido mesmo uma transgressão?
Ou apenas uma lembrança viva tentando curar o que a morte não conseguiu?

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