Texto, Marcações, Trilha Sonora e Ensaio de "O Presidente Negro", Monólogo Teatral Adaptado do Romance de Monteiro Lobato.
O Presidente Negro
(Teatro e Teleteatro)
O ator troca-se no próprio espaço cênico...
No humilde quartinho
de Ayrton Lobo...
No espaço cênico, está somente aparelho de som portátil (em 1926,
seria uma radiola), posicionado
do lado esquerdo do espaço cênico, em relação ao protagonista, que ficará no
centro.
Ayrton Lobo, vestindo terno, camiseta e
chapéu, entra com pasta de alça, igual estivesse carregando uma bandeja (vem do
fundo do espaço cênico, pela direita.) Em cima da pasta estão o sapato e o cinto
(acabou de chegar da casa de Miss Jane, cansado da viagem de trem). Coloca tudo
no chão, a sua frente, à direita.
Agachado, tira um caderno e uma caneta
debaixo da pasta (que continua no chão) dá play no primeiro
samba.
Agora em pé, o personagem, escreve no
caderno, falando, para si mesmo, em voz forte e clara, perturbado com o próprio
fato de ter de escrever o romance.
“’Achava-me um dia diante dos guichês
do London Bank à espera de que o pagador gritasse a minha chapa, quando vi a
cochilar num banco ao fundo certo corretor de negócios meu conhecido. Fui-me a
ele, alegre da oportunidade de iludir o fastio da espera com uns dedos de prosa
amiga." (Falando consigo. Primeiro parágrafo do primeiro capítulo do
romance de Monteiro Lobato “O Presidente Negro’. Ayrton Lobo está em processo de criação.)
Mis Jane vai odiar isso... KKKKKKKK. E
chega dessa história de escrever um livro! ” (Falando consigo, em voz forte e
audível.)
Agacha-se e coloca o caderno e a caneta
na pasta.
A seguir, Ayrton Lobo, o
protagonista, preparando-se para a palestra de lançamento do seu livro,
"O Presidente Negro".
Apanha o cinto e, ereto, coloca-o. (Está no segundo samba, gravado junto com o primeiro, continuamente. Agora, está com atitude diferente, evidenciando passagem de tempo.).
Agacha-se e apanha os sapatos, colocando-os a sua frente. Calça um dos sapatos sem o amarrar.
Calça o segundo pé de sapato em meio a
certo desequilíbrio e, ao começar a amarrá-lo, percebe ter esquecido de colocar
as meias.
Procura pelas meias olhando ao redor. Não as encontrando, faz gesto
de pouco caso.
Amarra os cadarços dos sapatos o tempo
todo em posição de yoga (cabeça voltada para o chão e joelhos estendidos).
Pega a pasta no chão e coloca no ombro esquerdo.
Age como estivesse se olhando ao
espelho, satisfeito.
Ayrton Lobo no
auditório...
“Boa Noite! (Cumprimentando o público.)
Meu
nome é Ayrton Lobo e eu trabalhava na Sá, Pato & Cia. Naquela época, tendo
eu 26 anos de idade, acreditava que ter um automóvel, tornar-se um rodante,
era ser alguém superior aos demais. (Em pé, diante do público, proferindo
palestra de lançamento do livro O Presidente Negro.)
Depois de muitas economias, pude andar
com meu Ford em disparada, acionando, por um botão no painel, a buzina klaxon e
fazendo os reles pedestres saírem da frente aos meus gritos:
- Arreda! AOOUGA, AH-OO-GAH! (Som da
buzina klaxon. Fazendo, com as mãos, gestos de se afastarem.)
Dirigindo meu automóvel, fui a
trabalho, em outra cidade. Poderia ter ido de trem, mas, afinal, recebi, devido
ao veículo, até um merecido aumento de salário!
Ia na velocidade máxima: sessenta
quilômetros por hora!
Distraí-me admirando a paisagem e saí
da estrada, destruindo meu bem mais precioso, além de ferir o braço.
Socorrido pelos empregados do professor
Benson, do qual ouvira falar, na fila do London Bank, estando ele
por lá. Diziam, segundo um amigo meu, que o professor Benson nunca perdia
no jogo da bolsa de valores, tendo angariado fortuna!
Em sua mansão, assemelhada a castelo
(devido à alta torre de metal), construída em imenso terreno com mata, conheci
aquela que seria a minha Alma Gêmea, Miss Jane, filha do professor Benson.
Nos dias de convalescência, pus em
revisão a minha vida e concluí passar muita humilhação na Sá, Pato & Cia,
sem perspectivas de maiores realizações e melhores ganhos financeiros.
Considerava-me uma pessoa bastante
comum, de inteligência mediana, apesar de ler um pouco de tudo, aqui e ali.
O professor Benson tinha muitos
empregados, os quais pareciam autômatos mudos, robôs. Perguntei se não poderia
me contratar, mas ele disse ter empregados suficientes. Porém, faria de mim o
seu confidente!
- Seu confidente, professor Benson?!
- Sim, meu confidente. (Prestar atenção
no posicionamento do corpo, ora fazendo um personagem, ora outro.)
Explicou-me, assim, o funcionamento da
sua maior invenção, o porviroscópio.
Era uma parafernália espalhada por salas, culminando em uma espécie de
microscópio apontado para um globo terrestre. Depois de um processo demorado de
concentração de energias, pois tudo
era vibração do éter e resultado da
ação do Interferente, obtinha-se um
"corte anatômico" do
espaço-tempo, no passado ou no futuro, para ser observado e analisado.
Entendi porque o professor Benson era
tão rico!
Após a prevista morte do professor
Benson, devido às suas condições de saúde, voltei ao meu trabalho de
representante comercial.
Mis Jane, pela qual eu já me apaixonara
profundamente, obcecado pela sua beleza e inteligência, propôs a mim escrever
um livro, falando da eleição do negro Jim Roy, para presidente dos EUA, em
2228. Os EUA, a América, era resumida por Miss Jane opondo o filósofo Emerson ao pensador Rousseu.
Eu e Mis Jane tínhamos opiniões bem
diferentes sobre a EUGENIA, criada
pelo sábio FRANCIS GALTON, o
principal assunto de nossas conversas. Ela defendia a raça pura, tanto negra,
quanto branca.
Eu ‘Sou, ao contrário, um
entusiasta da mestiçagem. Acho que é a lei da natureza. A ciência moderna
mostra que os mestiços são mais fortes e mais inteligentes que os puros. ’
Domingo após domingo, ouvi de Miss Jane
sobre a ascensão do candidato Jim Roy, da ASSOCIAÇÃO
NEGRA, contra os adversários do PARTIDO
MASCULINO, do presidente Kerlog,
e do PARTIDO FEMININO, de Miss Evelyn Astor, amparada
intelectualmente por Miss Elvin,
criadora do elvenismo ou sabinismo. Essa teoria dizia que o macho original da
fêmea humana foi exterminado por descendentes de gorilas, os quais tomaram o
lugar do macho original.
Pois bem:
‘Comprei... papel e... fiz e refiz o
primeiro capítulo,...orientado por modelos que me pareceram os melhores, *principalmente
em MACHADO DE ASSIS, que, para mim, era o máximo!* . E nunca me hei de esquecer
da ânsia com que corri ao castelo com a minha obra em punho!...
- Já fiz o primeiro, miss Jane! O
primeiro capítulo!...
- Bravos! Exclamou ela.
...ali mesmo a jovem o leu... Mas, ai
de mim...Miss Jane atenuou... a sua crítica...mas não logrou impedir que de
volta à cidade eu rasgasse em mil pedaços a minha obra prima e pela janelinha
do vagão, melancolicamente, os lançasse ao vento... ...no próximo domingo
reapareci no castelo de mãos vazias.
- Não refez então o capitulo? (Indagou
ela logo que entrei.)
-
Oh, não, miss Jane... Convenci-me de que não possuo qualidades literárias...
- Que vaidosos os moços! Lembre-se de
meu pai. Quantas vezes fazia e refazia a mesma experiência...
- Está bem, miss Jane. Vou tentar mais
uma vez. (Prestar atenção no posicionamento do corpo, ora fazendo um
personagem, ora fazendo outro.)
...De regresso ao meu quartinho humilde,
...resolvi escrever mal, de um jacto, com a intenção deliberada de desapontar
miss Jane. ...púnhamos um ponto final na literatura e passaríamos a cuidar de
outra coisa. Escrevi até madrugada, sem rasuras, sem escolha de palavras, como
se estivesse a correr no meu saudoso Ford ao acaso das estradas sem fim.
-Aqui está, miss Jane, o horror que me
saiu...
...Miss Jane...logo...abriu a expressão
que na tentativa anterior eu tanto ansiava por ver... *Repetiu o meu texto:
Achava-me um dia diante dos guichês do London Bank...*
-*Isso é* Ótimo! ...impetuoso,
irregular, incorreto, ingênuo, mas expressivo, original e forte.
Olhei para a minha amiga quase com
rancor, tão certo estava eu da ironia de suas palavras.
- Tem coragem de ser assim impiedosa
com o pobre Ayrton? (Tirando o chapéu e o colocando na frente do corpo,
segurando com as duas mãos.)
...Ela olhou-me nos olhos fixamente,
sem dizer palavra, e nos seus lindos olhos azuis vi refletida com ...nitidez a
pureza de sua alma...
- Não, meu amigo! ...Sou incapaz de
ironia. O que acabo de dizer é a fiel expressão do meu pensamento. #...Faça o
livro inteiro neste tom que eu lhe garanto a vitória. #’.
Voltando à história de Jim Roy...
Os benefícios da eugenia davam a
impressão dos brancos primarem pela qualidade, enquanto os negros persistiam em aviltar pela quantidade, reforçando o racismo irracional dos brancos em
relação aos negros. Assim,
‘A convivência de duas raças distintas
no mesmo território perturbava a felicidade nacional. Os atritos constantes,
embora não resultassem mais na violência da Ku Klux Klan, continuavam sendo
motivo de inquietação. ’
Aliás, aludi a Klan, em carta privada,
jamais publicada por mim, ao meu amigo Arthur
Neiva, ironizando a situação da imprensa brasileira. Muito depois,
publicaram essa carta, em certa revista, desvirtuando tudo e acusando-me de
racista!
‘País de mestiços, onde
branco não tem força para organizar uma [...[ Klan[...]. [...]; tivéssemos aí
uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje
livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego [...]. ’ (Em tom de deboche.)
Dito no mesmo sentido em que se diz hoje em dia capitão do mato!
Os brancos queriam mandar os negros
para o vale do Rio Amazonas e só não
o faziam porque a lei não permitia. Jim Roy, o titã de caráter ilibado, que
conhecia muito bem a história do sofrimento do seu povo ao ser trazido da
África para a América, propunha dividir o país em Norte e Sul.
‘Seria
mais razoável dividir-se o país em dois do que expatriar os negros[...]. Os
negros deram suor e sangue para a formação da civilização americana e tinham o
mesmo direito que os brancos à pátria. ’
As eleições
aconteceram, com os cidadãos escolhendo os seus candidatos, em suas próprias casas, graças à tecnologia da época. (Ayrton Lobo
tira um celular da pasta e faz gesto de apertar teclas, com o som pirlimpimpim,
pirlimpimpim, pirlimpimpim.)
O
resultado saiu em minutos, no painel
eletrônico gigante. Vencera Jim Roy, deixando brancos e feministas em desespero,
pois os negros, historicamente, sempre votaram ou com os brancos ou com as
feministas. (Coloca o celular novamente na pasta.)
Urgentemente, convocaram a CONVENÇÃO
BRANCA (aliás bem diferente da barulhenta e sanguinária Convenção, na Revolução Francesa de 1789).
Reuniram os seis mais sábios e
destacados membros da sociedade americana, sendo eles George Abbor, morador
de Detroit, chefe da indústria das bonecas falantes, John Perkins, morador de
Hudson, comerciante de peles de lontras brancas, Harmsworth *Rousseff* (falando
ironicamente), diretor do Banco Universal, John Leland, criador da Puericultura
Estética, John Dudley, pai da cor número 8 e autor de 72 invenções e Dorian
Davis, poeta de um soneto único (causador de polêmica Nacional em torno do
quarto verso).
Em votação, de maneira bastante
civilizada e sem alardes (Ayrton Lobo, leva a mão à boca, bocejando), os
brancos decidiram por esterilizar os negros, sem que eles soubessem, utilizando
raios ômega, através do alisamento
dos cabelos dos negros.
Na época, tentar parecer com os brancos
era uma maneira dos negros amenizarem o sofrimento com os estigmas imputados
pelos brancos, tendo os negros, inclusive, há muito despigmentado a pele.
Jim Roy, ao saber do terrível golpe, através
da visita do próprio presidente Kerlog, antes mesmo de tomar posse, acaba
misteriosamente morto.
Realizadas novas eleições,
Kerlog, estando agora casado com Miss Astor, antiga rival
feminista, vence o pleito. ”
Solta a música da luta. Tira o chapéu, colocando-o encima da pasta,
que está no chão.
Faz três flexões de braço, mostrando
preparo para a luta. Ergue-se com movimentos de yoga. Põe-se a lutar com
oponentes imaginários utilizando golpes de capoeira, de boxe e de judô. Cai.
(Representação da luta e da morte de Jim Roy.)
Ayrton Lobo, sentado no chão, simulada estar ferido e estafado, e no final da
música, dá um soco no ar. Dá stop no aparelho de som.
Ayrton Lobo desincorpora Jim Roy.
Retira o livro e os óculos da pasta. Coloca
os óculos e o chapéu e põe-se a ler o último capítulo do livro:
“’O Beijo de
Barrymore
O desfecho do drama racial da América comoveu-me
profundamente. Não ter futuro, acabar.... Que torturante a sensação dessa massa
de cem milhões de criaturas assim amputadas do seu porvir!
#Quem sabe se essa extinção de um ramo da
grande família humana não representa, para o futuro, uma diminuição do
patrimônio da humanidade? # (Interrompendo a leitura
e encarando a plateia.)
Se somos, se existimos, se apesar de todos os males
da vida tanto a ela nos apegamos, é que no íntimo do nosso ser a voz da
persistência da espécie nos ampara. A meio da vida de cada criatura já é a
prole o que lhe dá coragem de a viver até o fim. (Continuando a
leitura.)
Falando em morte, segundo o
porviroscópio, no futuro, a Psychical
Corporation, empresa de comunicação sediada na cidade de Detroit,
publicaria o Intermundane Herald,
através do qual os espíritos podiam
mandar mensagens escritas diretamente para os vivos.
O celibatário, ser que vale por triste ponto final,
sente-se um corpo estranho no tumulto biológico - quase um amaldiçoado. Que
dizer de um povo inteiro assim amputado da sua descendência? A ver-se
envelhecer sem um choro de criança que o faça pensar no amanhã? Dia final. Dia
já em crepúsculo rápido para uma noite eterna.... Fosse eu um filosofo e teria
ali matéria para esmoer o cérebro no imaginar e reimaginar a infinita maravilha
do formidando quadro. Mas não era filósofo. Quem ama não filosofa, apenas
suspira — e eu suspirava de comover penedos. — Jane, Jane, Jane!...’ (Trecho do último
capítulo do romance de Monteiro Lobato O Presidente Negro.)’ ”.
Aqui, a leitura é interrompida e Ayrton
Lobo, ainda sentado no chão, diz:
“- Se querem saber o final da história,
comprem o meu livro! ”
Dá play no terceiro
samba (música final) no aparelho de som. Coloca a pasta no ombro direito, levanta-se, e começa a sambar. Depois de alguns passos, diz para a
plateia:
“- Vejo vocês na fila de autógrafos!
Bom divertimento! ” (Está com o livro na mão direita levantada, para mostrar o
livro para o público. Na capa é dito: "O Presidente Negro, Ayrton
Lobo, editora Aparição". A arte da capa é do próprio autor.)
Abaixa a mão direita, na qual está o
livro.
Dá mais uns passos de samba e tirando o
chapéu com a mão esquerda, diz:
“Bye, Bye! ” (Acena com o
chapéu.)
Sai cantando:
"...quando eu morrer, não quero
choro nem vela...".
Fora de cena, coloca o chapéu na cabeça
e o livro na pasta, que é colocada no ombro direito.
O palco fica só com o aparelho de som
ligado.
Dados alguns segundos, Ayrton Lobo
volta à cena.
Está em seu quarto, depois da
sensacional noite de autógrafos. Fica olhando para o aparelho de
som e, cansado. Agacha-se e desliga-o com a mão esquerda, com gesto
de esgotamento e certo fastio.
Em pé, ao baixar o braço, sente
algo no bolso esquerdo do paletó e apalpa-o. Enfia a mão
no bolso. Encontra as meias, às quais procurava no início da peça, quando estava
calçando os sapatos. Diz, olhando e sorrindo para o público:
“Olha, encontrei as minhas meias! ”
Cumprimento com uma vênia, tirando o
chapéu e levando-o à frente do corpo. Sai.
Maurício Menossi
Flores
O ChatGPT disse:
Você disse:
"O Presidente Negro", Monteiro Lobato e Cultura Woke.
A adaptação de O Presidente Negro para um monólogo, conforme apresentado pelo grupo performático multimídia TV de Brinquedo e o Teatro do Perispírito oferece uma oportunidade singular de revisitar e aprofundar a compreensão da obra de Monteiro Lobato. Este monólogo não apenas sintetiza os eventos e personagens centrais do romance, mas também enfatiza as críticas sociais e raciais que Lobato teceu em sua narrativa.
No romance original, Lobato delineia um futuro distópico onde as tensões raciais nos Estados Unidos atingem um clímax com a eleição de Jim Roy, um líder negro, à presidência. A elite branca, representada por figuras como o presidente Kerlog e Miss Astor, reage de maneira calculista e cruel, evidenciando a hipocrisia e o racismo enraizados na sociedade. Ao se transpor essa complexa teia de relações para um monólogo consegue-se destacar a essência dessas críticas, permitindo que o público contemporâneo reflita sobre as questões ainda pertinentes abordadas por Lobato.
O monólogo enfatiza a figura de Jim Roy como um símbolo de resistência e dignidade. Ao contrastá-lo com os personagens da elite branca, a adaptação ressalta a integridade moral de Roy frente à corrupção e desumanidade de seus opositores. Essa abordagem reforça a interpretação de que Lobato, longe de endossar ideologias racistas, utilizou sua obra para expor e criticar as injustiças raciais de sua época.
Entretanto, na atualidade, O Presidente Negro se tornou alvo de um fenômeno contemporâneo: a cultura woke. Originalmente concebida como uma postura de vigilância contra o racismo e outras formas de opressão, a cultura woke evoluiu para uma interpretação mais sectária, muitas vezes marcada pelo cancelamento de obras e figuras do passado sem uma análise contextualizada. Nesse sentido, a obra de Lobato foi equivocadamente taxada de racista, ignorando sua sátira à hipocrisia da elite branca e sua crítica feroz à sociedade norte-americana dos anos 1920.
A cultura woke original, se fiel a seus princípios, deveria reconhecer O Presidente Negro como uma denúncia das desigualdades raciais, não como uma obra racista. Contudo, observa-se uma leitura apressada e parcial, em que trechos isolados do livro são usados para condená-lo sem um exame mais profundo da intenção do autor. Ao invés de um debate genuíno sobre as críticas de Lobato, ocorre um julgamento sumário que desconsidera a complexidade da obra.
A escolha do formato de monólogo para essa adaptação é particularmente eficaz para contrapor essa tendência. Ao centralizar a narrativa em uma única voz, o público é convidado a uma imersão profunda nos dilemas e conflitos internos dos personagens, facilitando uma conexão emocional e intelectual com as temáticas abordadas. Essa introspecção é crucial para compreender as múltiplas camadas de significado presentes em O Presidente Negro e evitar leituras reducionistas.
Em um momento onde debates sobre representatividade e revisitação de obras clássicas estão em voga, iniciativas como essa adaptação são fundamentais. Elas não apenas mantêm viva a discussão sobre o legado de autores como Monteiro Lobato, mas também proporcionam novas perspectivas e interpretações que enriquecem o entendimento coletivo sobre nossa história literária e social.
Portanto, o monólogo apresentado pela TV de Brinquedo não é apenas uma releitura de O Presidente Negro, mas uma ponte entre o passado e o presente. Ele desafia o cancelamento simplista e propõe uma reflexão mais profunda sobre as permanências e transformações das questões raciais em nossa sociedade, estimulando um debate crítico e não meramente reativo.
Criação e apresentação de Maurício Menossi Flores.
Trilha sonora de Alessandro dos Santos.
Gravação em vídeo de Sebastião Otávio da Silva.
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