Texto, Marcações, Trilha Sonora e Ensaio de "O Presidente Negro", Monólogo Teatral Adaptado do Romance de Monteiro Lobato.

 


Duração do monólogo: 30min 






O Presidente Negro

(Teatro e Teleteatro)

O ator troca-se no próprio espaço cênico...

No humilde quartinho de Ayrton Lobo...

No espaço cênico, está somente aparelho de som portátil (em 1926, seria uma radiola), posicionado do lado esquerdo do espaço cênico, em relação ao protagonista, que ficará no centro.

Ayrton Lobo, vestindo terno, camiseta e chapéu, entra com pasta de alça, igual estivesse carregando uma bandeja (vem do fundo do espaço cênico, pela direita.) Em cima da pasta estão o sapato e o cinto (acabou de chegar da casa de Miss Jane, cansado da viagem de trem). Coloca tudo no chão, a sua frente, à direita.  

Agachado, tira um caderno e uma caneta debaixo da pasta (que continua no chão) dá play no primeiro samba.

Agora em pé, o personagem, escreve no caderno, falando, para si mesmo, em voz forte e clara, perturbado com o próprio fato de ter de escrever o romance. 

“’Achava-me um dia diante dos guichês do London Bank à espera de que o pagador gritasse a minha chapa, quando vi a cochilar num banco ao fundo certo corretor de negócios meu conhecido. Fui-me a ele, alegre da oportunidade de iludir o fastio da espera com uns dedos de prosa amiga." (Falando consigo. Primeiro parágrafo do primeiro capítulo do romance de Monteiro Lobato “O Presidente Negro’. Ayrton Lobo está em processo de criação.) 

Mis Jane vai odiar isso... KKKKKKKK. E chega dessa história de escrever um livro! ” (Falando consigo, em voz forte e audível.)

Agacha-se e coloca o caderno e a caneta na pasta.

A seguir, Ayrton Lobo, o protagonista, preparando-se para a palestra de lançamento do seu livro, "O Presidente Negro"

Apanha o cinto e, ereto, coloca-o. (Está no segundo samba, gravado junto com o primeiro, continuamente. Agora, está com atitude diferente, evidenciando passagem de tempo.).

Agacha-se e apanha os sapatos, colocando-os a sua frente. Calça um dos sapatos sem o amarrar.

Calça o segundo pé de sapato em meio a certo desequilíbrio e, ao começar a amarrá-lo, percebe ter esquecido de colocar as meias.

Procura pelas meias olhando ao redor. Não as encontrando, faz gesto de pouco caso.

Amarra os cadarços dos sapatos o tempo todo em posição de yoga (cabeça voltada para o chão e joelhos estendidos).  

Pega a pasta no chão e coloca no ombro esquerdo.

Age como estivesse se olhando ao espelho, satisfeito.

Ayrton Lobo no auditório...

“Boa Noite! (Cumprimentando o público.)

 Meu nome é Ayrton Lobo e eu trabalhava na Sá, Pato & Cia. Naquela época, tendo eu 26 anos de idade, acreditava que ter um automóvel, tornar-se um rodante, era ser alguém superior aos demais. (Em pé, diante do público, proferindo palestra de lançamento do livro O Presidente Negro.)

Depois de muitas economias, pude andar com meu Ford em disparada, acionando, por um botão no painel, a buzina klaxon e fazendo os reles pedestres saírem da frente aos meus gritos:

- Arreda! AOOUGA, AH-OO-GAH! (Som da buzina klaxon. Fazendo, com as mãos, gestos de se afastarem.)

Dirigindo meu automóvel, fui a trabalho, em outra cidade. Poderia ter ido de trem, mas, afinal, recebi, devido ao veículo, até um merecido aumento de salário!

Ia na velocidade máxima: sessenta quilômetros por hora!

Distraí-me admirando a paisagem e saí da estrada, destruindo meu bem mais precioso, além de ferir o braço.

Socorrido pelos empregados do professor Benson, do qual ouvira falar, na fila do London Bank, estando ele por lá. Diziam, segundo um amigo meu, que o professor Benson nunca perdia no jogo da bolsa de valores, tendo angariado fortuna!

Em sua mansão, assemelhada a castelo (devido à alta torre de metal), construída em imenso terreno com mata, conheci aquela que seria a minha Alma Gêmea, Miss Jane, filha do professor Benson.

Nos dias de convalescência, pus em revisão a minha vida e concluí passar muita humilhação na Sá, Pato & Cia, sem perspectivas de maiores realizações e melhores ganhos financeiros.

Considerava-me uma pessoa bastante comum, de inteligência mediana, apesar de ler um pouco de tudo, aqui e ali.

O professor Benson tinha muitos empregados, os quais pareciam autômatos mudos, robôs. Perguntei se não poderia me contratar, mas ele disse ter empregados suficientes. Porém, faria de mim o seu confidente!

- Seu confidente, professor Benson?!

- Sim, meu confidente. (Prestar atenção no posicionamento do corpo, ora fazendo um personagem, ora outro.)

Explicou-me, assim, o funcionamento da sua maior invenção, o porviroscópio. Era uma parafernália espalhada por salas, culminando em uma espécie de microscópio apontado para um globo terrestre. Depois de um processo demorado de concentração de energias, pois tudo era vibração do éter e resultado da ação do Interferente, obtinha-se um "corte anatômico" do espaço-tempo, no passado ou no futuro, para ser observado e analisado.

Entendi porque o professor Benson era tão rico!

Após a prevista morte do professor Benson, devido às suas condições de saúde, voltei ao meu trabalho de representante comercial.

Mis Jane, pela qual eu já me apaixonara profundamente, obcecado pela sua beleza e inteligência, propôs a mim escrever um livro, falando da eleição do negro Jim Roy, para presidente dos EUA, em 2228. Os EUA, a América, era resumida por Miss Jane opondo o filósofo Emerson ao pensador Rousseu.

Eu e Mis Jane tínhamos opiniões bem diferentes sobre a EUGENIA, criada pelo sábio FRANCIS GALTON, o principal assunto de nossas conversas. Ela defendia a raça pura, tanto negra, quanto branca.

Eu   Sou, ao contrário, um entusiasta da mestiçagem. Acho que é a lei da natureza. A ciência moderna mostra que os mestiços são mais fortes e mais inteligentes que os puros. ’

Domingo após domingo, ouvi de Miss Jane sobre a ascensão do candidato Jim Roy, da ASSOCIAÇÃO NEGRA, contra os adversários do PARTIDO MASCULINO, do presidente Kerlog, e do PARTIDO FEMININO, de Miss Evelyn Astor, amparada intelectualmente por Miss Elvin, criadora do elvenismo ou sabinismo. Essa teoria dizia que o macho original da fêmea humana foi exterminado por descendentes de gorilas, os quais tomaram o lugar do macho original.

Pois bem:

‘Comprei... papel e... fiz e refiz o primeiro capítulo,...orientado por modelos que me pareceram os melhores, *principalmente em MACHADO DE ASSIS, que, para mim, era o máximo!* . E nunca me hei de esquecer da ânsia com que corri ao castelo com a minha obra em punho!...

- Já fiz o primeiro, miss Jane! O primeiro capítulo!...

- Bravos! Exclamou ela.

...ali mesmo a jovem o leu... Mas, ai de mim...Miss Jane atenuou... a sua crítica...mas não logrou impedir que de volta à cidade eu rasgasse em mil pedaços a minha obra prima e pela janelinha do vagão, melancolicamente, os lançasse ao vento... ...no próximo domingo reapareci no castelo de mãos vazias.

- Não refez então o capitulo? (Indagou ela logo que entrei.)

 - Oh, não, miss Jane... Convenci-me de que não possuo qualidades literárias...

- Que vaidosos os moços! Lembre-se de meu pai. Quantas vezes fazia e refazia a mesma experiência...

- Está bem, miss Jane. Vou tentar mais uma vez. (Prestar atenção no posicionamento do corpo, ora fazendo um personagem, ora fazendo outro.)

 ...De regresso ao meu quartinho humilde, ...resolvi escrever mal, de um jacto, com a intenção deliberada de desapontar miss Jane. ...púnhamos um ponto final na literatura e passaríamos a cuidar de outra coisa. Escrevi até madrugada, sem rasuras, sem escolha de palavras, como se estivesse a correr no meu saudoso Ford ao acaso das estradas sem fim.

-Aqui está, miss Jane, o horror que me saiu...

...Miss Jane...logo...abriu a expressão que na tentativa anterior eu tanto ansiava por ver... *Repetiu o meu texto: Achava-me um dia diante dos guichês do London Bank...*

-*Isso é* Ótimo! ...impetuoso, irregular, incorreto, ingênuo, mas expressivo, original e forte.

Olhei para a minha amiga quase com rancor, tão certo estava eu da ironia de suas palavras.

- Tem coragem de ser assim impiedosa com o pobre Ayrton? (Tirando o chapéu e o colocando na frente do corpo, segurando com as duas mãos.)

...Ela olhou-me nos olhos fixamente, sem dizer palavra, e nos seus lindos olhos azuis vi refletida com ...nitidez a pureza de sua alma...

- Não, meu amigo! ...Sou incapaz de ironia. O que acabo de dizer é a fiel expressão do meu pensamento. #...Faça o livro inteiro neste tom que eu lhe garanto a vitória. #’.

Voltando à história de Jim Roy...

Os benefícios da eugenia davam a impressão dos brancos primarem pela qualidade, enquanto os negros persistiam em aviltar pela quantidade, reforçando o racismo irracional dos brancos em relação aos negros. Assim,  

‘A convivência de duas raças distintas no mesmo território perturbava a felicidade nacional. Os atritos constantes, embora não resultassem mais na violência da Ku Klux Klan, continuavam sendo motivo de inquietação. ’

Aliás, aludi a Klan, em carta privada, jamais publicada por mim, ao meu amigo Arthur Neiva, ironizando a situação da imprensa brasileira. Muito depois, publicaram essa carta, em certa revista, desvirtuando tudo e acusando-me de racista!

 País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma [...[ Klan[...]. [...]; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego [...]. ’ (Em tom de deboche.)

Dito no mesmo sentido em que se diz hoje em dia capitão do mato!

Os brancos queriam mandar os negros para o vale do Rio Amazonas e só não o faziam porque a lei não permitia. Jim Roy, o titã de caráter ilibado, que conhecia muito bem a história do sofrimento do seu povo ao ser trazido da África para a América, propunha dividir o país em Norte e Sul.

‘Seria mais razoável dividir-se o país em dois do que expatriar os negros[...]. Os negros deram suor e sangue para a formação da civilização americana e tinham o mesmo direito que os brancos à pátria. ’

As eleições aconteceram, com os cidadãos escolhendo os seus candidatos, em suas próprias casas, graças à tecnologia da época. (Ayrton Lobo tira um celular da pasta e faz gesto de apertar teclas, com o som pirlimpimpim, pirlimpimpim, pirlimpimpim.)

 O resultado saiu em minutos, no painel eletrônico gigante. Vencera Jim Roy, deixando brancos e feministas em desespero, pois os negros, historicamente, sempre votaram ou com os brancos ou com as feministas. (Coloca o celular novamente na pasta.)

Urgentemente, convocaram a CONVENÇÃO BRANCA (aliás bem diferente da barulhenta e sanguinária Convenção, na Revolução Francesa de 1789).

Reuniram os seis mais sábios e destacados membros da sociedade americana, sendo eles George Abbor, morador de Detroit, chefe da indústria das bonecas falantes, John Perkins, morador de Hudson, comerciante de peles de lontras brancas, Harmsworth *Rousseff* (falando ironicamente), diretor do Banco Universal, John Leland, criador da Puericultura Estética, John Dudley, pai da cor número 8 e autor de 72 invenções e Dorian Davis, poeta de um soneto único (causador de polêmica Nacional em torno do quarto verso). 

Em votação, de maneira bastante civilizada e sem alardes (Ayrton Lobo, leva a mão à boca, bocejando), os brancos decidiram por esterilizar os negros, sem que eles soubessem, utilizando raios ômega, através do alisamento dos cabelos dos negros.

Na época, tentar parecer com os brancos era uma maneira dos negros amenizarem o sofrimento com os estigmas imputados pelos brancos, tendo os negros, inclusive, há muito despigmentado a pele

Jim Roy, ao saber do terrível golpe, através da visita do próprio presidente Kerlog, antes mesmo de tomar posse, acaba misteriosamente morto.

Realizadas novas eleições, Kerlog, estando agora casado com Miss Astor, antiga rival feminista, vence o pleito. ” 

Solta a música da luta. Tira o chapéu, colocando-o encima da pasta, que está no chão.

Faz três flexões de braço, mostrando preparo para a luta. Ergue-se com movimentos de yoga. Põe-se a lutar com oponentes imaginários utilizando golpes de capoeira, de boxe e de judô. Cai. (Representação da luta e da morte de Jim Roy.)

Ayrton Lobo, sentado no chão, simulada estar ferido e estafado, e no final da música, dá um soco no ar. Dá stop no aparelho de som.

Ayrton Lobo desincorpora Jim Roy.

Retira o livro e os óculos da pasta. Coloca os óculos e o chapéu e põe-se a ler o último capítulo do livro:

“’O Beijo de Barrymore

O desfecho do drama racial da América comoveu-me profundamente. Não ter futuro, acabar.... Que torturante a sensação dessa massa de cem milhões de criaturas assim amputadas do seu porvir!

 #Quem sabe se essa extinção de um ramo da grande família humana não representa, para o futuro, uma diminuição do patrimônio da humanidade? # (Interrompendo a leitura e encarando a plateia.)

Se somos, se existimos, se apesar de todos os males da vida tanto a ela nos apegamos, é que no íntimo do nosso ser a voz da persistência da espécie nos ampara. A meio da vida de cada criatura já é a prole o que lhe dá coragem de a viver até o fim. (Continuando a leitura.)

Falando em morte, segundo o porviroscópio, no futuro, a Psychical Corporation, empresa de comunicação sediada na cidade de Detroit, publicaria o Intermundane Herald, através do qual os espíritos podiam mandar mensagens escritas diretamente para os vivos. 

O celibatário, ser que vale por triste ponto final, sente-se um corpo estranho no tumulto biológico - quase um amaldiçoado. Que dizer de um povo inteiro assim amputado da sua descendência? A ver-se envelhecer sem um choro de criança que o faça pensar no amanhã? Dia final. Dia já em crepúsculo rápido para uma noite eterna.... Fosse eu um filosofo e teria ali matéria para esmoer o cérebro no imaginar e reimaginar a infinita maravilha do formidando quadro. Mas não era filósofo. Quem ama não filosofa, apenas suspira — e eu suspirava de comover penedos. — Jane, Jane, Jane!...’ (Trecho do último capítulo do romance de Monteiro Lobato O Presidente Negro.)’ ”.

Aqui, a leitura é interrompida e Ayrton Lobo, ainda sentado no chão, diz:

“- Se querem saber o final da história, comprem o meu livro! ”

Dá play no terceiro samba (música final) no aparelho de som. Coloca a pasta no ombro direito, levanta-se, e começa a sambar. Depois de alguns passos, diz para a plateia:

“- Vejo vocês na fila de autógrafos! Bom divertimento! ” (Está com o livro na mão direita levantada, para mostrar o livro para o público. Na capa é dito: "O Presidente Negro, Ayrton Lobo, editora Aparição". A arte da capa é do próprio autor.) 

Abaixa a mão direita, na qual está o livro. 

Dá mais uns passos de samba e tirando o chapéu com a mão esquerda, diz:

 “Bye, Bye! ” (Acena com o chapéu.)

Sai cantando:

"...quando eu morrer, não quero choro nem vela...".

Fora de cena, coloca o chapéu na cabeça e o livro na pasta, que é colocada no ombro direito.

O palco fica só com o aparelho de som ligado.

Dados alguns segundos, Ayrton Lobo volta à cena.

Está em seu quarto, depois da sensacional noite de autógrafos. Fica olhando para o aparelho de som e, cansado. Agacha-se e desliga-o com a mão esquerda, com gesto de esgotamento e certo fastio.

Em pé, ao baixar o braço, sente algo no bolso esquerdo do paletó e apalpa-o. Enfia a mão no bolso. Encontra as meias, às quais procurava no início da peça, quando estava calçando os sapatos. Diz, olhando e sorrindo para o público:

“Olha, encontrei as minhas meias! ”

Cumprimento com uma vênia, tirando o chapéu e levando-o à frente do corpo. Sai.

Maurício Menossi Flores
















Preciso saber como era uma buzina klaxon e qual o seu som em 1926, nos carros da Ford.
O ChatGPT disse:

A buzina Klaxon, muito comum em automóveis no início do século XX (incluindo os carros da Ford por volta de 1926, como o Ford Modelo T), é um dispositivo eletromecânico que produz um som característico através de um diafragma vibrante acionado por uma bobina elétrica.

🎺 Como era a buzina Klaxon (visualmente e em funcionamento)?

  • Formato: A buzina Klaxon tinha geralmente uma carcaça metálica em forma de trombeta ou corneta, com uma grelha circular na frente e um botão ou alavanca de acionamento no volante ou painel.

  • Funcionamento: Quando ativada, um pequeno motor elétrico girava uma engrenagem com saliências que vibrava um diafragma de metal, produzindo o som característico.

  • Marca: "Klaxon" era originalmente uma marca registrada, mas virou nome genérico desse tipo de buzina.

🔊 Qual era o som da buzina Klaxon?

O som típico é descrito como um “AH-OO-GAH!” — bem grave, metálico e penetrante. É muito diferente das buzinas modernas. Esse som foi tão marcante que virou ícone sonoro da época.

Você pode ouvir um exemplo clássico do som da buzina Klaxon no link abaixo (ou procurar por "1920s klaxon horn sound" no YouTube):

📼 Exemplo no YouTube (busque por):
"Model T Klaxon horn sound"

📜 Curiosidade:

O nome “Klaxon” vem do grego “klazō”, que significa “gritar”. A buzina era projetada para ser ouvida de longe, em uma época em que semáforos eram raros e as ruas cheias de pedestres, animais e carroças.

Se quiser, posso gerar uma imagem artística ou ilustração da buzina Klaxon em um carro Ford 1926. Deseja?

Você disse:
Sim faça isso.




"O Presidente Negro", Monteiro Lobato e Cultura Woke.

A adaptação de O Presidente Negro para um monólogo, conforme apresentado pelo grupo performático multimídia TV de Brinquedo e o Teatro do Perispírito  oferece uma oportunidade singular de revisitar e aprofundar a compreensão da obra de Monteiro Lobato. Este monólogo não apenas sintetiza os eventos e personagens centrais do romance, mas também enfatiza as críticas sociais e raciais que Lobato teceu em sua narrativa.

No romance original, Lobato delineia um futuro distópico onde as tensões raciais nos Estados Unidos atingem um clímax com a eleição de Jim Roy, um líder negro, à presidência. A elite branca, representada por figuras como o presidente Kerlog e Miss Astor, reage de maneira calculista e cruel, evidenciando a hipocrisia e o racismo enraizados na sociedade. Ao se transpor essa complexa teia de relações para um monólogo consegue-se destacar a essência dessas críticas, permitindo que o público contemporâneo reflita sobre as questões ainda pertinentes abordadas por Lobato.

O monólogo enfatiza a figura de Jim Roy como um símbolo de resistência e dignidade. Ao contrastá-lo com os personagens da elite branca, a adaptação ressalta a integridade moral de Roy frente à corrupção e desumanidade de seus opositores. Essa abordagem reforça a interpretação de que Lobato, longe de endossar ideologias racistas, utilizou sua obra para expor e criticar as injustiças raciais de sua época.

Entretanto, na atualidade, O Presidente Negro se tornou alvo de um fenômeno contemporâneo: a cultura woke. Originalmente concebida como uma postura de vigilância contra o racismo e outras formas de opressão, a cultura woke evoluiu para uma interpretação mais sectária, muitas vezes marcada pelo cancelamento de obras e figuras do passado sem uma análise contextualizada. Nesse sentido, a obra de Lobato foi equivocadamente taxada de racista, ignorando sua sátira à hipocrisia da elite branca e sua crítica feroz à sociedade norte-americana dos anos 1920.

A cultura woke original, se fiel a seus princípios, deveria reconhecer O Presidente Negro como uma denúncia das desigualdades raciais, não como uma obra racista. Contudo, observa-se uma leitura apressada e parcial, em que trechos isolados do livro são usados para condená-lo sem um exame mais profundo da intenção do autor. Ao invés de um debate genuíno sobre as críticas de Lobato, ocorre um julgamento sumário que desconsidera a complexidade da obra.

A escolha do formato de monólogo para essa adaptação é particularmente eficaz para contrapor essa tendência. Ao centralizar a narrativa em uma única voz, o público é convidado a uma imersão profunda nos dilemas e conflitos internos dos personagens, facilitando uma conexão emocional e intelectual com as temáticas abordadas. Essa introspecção é crucial para compreender as múltiplas camadas de significado presentes em O Presidente Negro e evitar leituras reducionistas.

Em um momento onde debates sobre representatividade e revisitação de obras clássicas estão em voga, iniciativas como essa adaptação são fundamentais. Elas não apenas mantêm viva a discussão sobre o legado de autores como Monteiro Lobato, mas também proporcionam novas perspectivas e interpretações que enriquecem o entendimento coletivo sobre nossa história literária e social.

Portanto, o monólogo apresentado pela TV de Brinquedo não é apenas uma releitura de O Presidente Negro, mas uma ponte entre o passado e o presente. Ele desafia o cancelamento simplista e propõe uma reflexão mais profunda sobre as permanências e transformações das questões raciais em nossa sociedade, estimulando um debate crítico e não meramente reativo.

Criação e apresentação de Maurício Menossi Flores.

Trilha sonora de Alessandro dos Santos.

Gravação em vídeo de Sebastião Otávio da Silva.




























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