Excelente ponto de partida — o texto tem atmosfera onírica, ambígua e de limiar entre o místico e o racional, como uma espécie de sonho febril que atravessa corpo, moral e inconsciente. A seguir está uma versão desenvolvida, com estrutura de conto literário, mantendo o núcleo simbólico do teu texto original, mas aprofundando a densidade psicológica, o mistério e a tensão entre espiritualidade e consciência:
O Ritual de Eric Johnson
Passava por um ritual vudu. Deitado sobre uma mesa de madeira áspera, quase nu — apenas de cueca —, senti o frio do mundo recuar enquanto a beberagem me queimava a garganta. Era espessa, amarga, como se misturassem o suco de uma raiz com a essência de algum bicho esmagado. Um sonho acordado começou a me envolver — um território onde o real se dobrava sobre si mesmo.
A sacerdotisa negra, de meia idade, estava diante de mim. O rosto, sereno e luminoso, parecia conter uma juventude anterior ao tempo, uma força sem idade. Movia-se com lentidão, cada gesto desenhando no ar uma partitura invisível. As pulseiras de metal tilintavam, criando uma música própria, como se marcassem a batida do coração da terra.
No sonho, via rostos de inimigos antigos. Uns vivos, outros mortos, todos misturados no mesmo plano. Tentavam persuadir-me, seduzir-me com suas falas gastas, seus argumentos de serpente. Eu os ouvia, mas já não reagia. Era como se estivesse submerso numa água morna e silenciosa, onde cada som vinha filtrado pela distância. O transe me permitia perceber — sem me afetar. Fixava-me apenas no que importava: a presença da sacerdotisa, a respiração dela, o leve sorriso que parecia aprovar a minha resistência.
Ela sabia. Sabia que o homem é mais testado quando o desejo o chama com voz de seda. No sonho, as moças jovens vinham — belas, disponíveis, feitas de tentação. Mas eu apenas as observava como quem vê fumaça dissolver-se no ar. O corpo respondia, mas a mente permanecia em pedra. A sacerdotisa, de pé, ergueu uma pequena cuia diante da vela e soprou uma cinza sobre a chama. A luz vacilou.
De repente, tudo mudou. Acordei em meio a uma festa religiosa, no terreiro, dentro do templo. Tamborins, atabaques, vozes, corpos girando. Era como se a própria vida pulsasse em círculos de som e perfume. As roupas brancas se moviam como névoa. Um transe coletivo, e eu, dentro dele, ainda semiacordado.
Comecei a me vestir devagar, o corpo ainda trêmulo. O suor escorria pelas costas e eu sentia o peso do mundo retornando — o peso das horas, da rotina, da esposa que me esperaria, talvez desconfiada, talvez indiferente. Pensava em que palavras usaria para explicar o inexplicável.
Fui até a sacerdotisa. Ela estava sentada agora, as mãos no colo, o mesmo sorriso nos lábios, só que mais fechado, como se guardasse um segredo que jamais se revelaria. Entreguei-lhe o dinheiro.
— Gostaria de entender melhor o que aconteceu — murmurei. — O que era aquilo… o sonho, as vozes, as mulheres…?
Ela pegou o dinheiro com leveza, sem olhar para mim. Fez um gesto vago, um riso amarelo. Fingiu não compreender. Ou talvez realmente não compreendesse — ou compreendesse demais, e por isso calava.
Saí dali com o ar ainda carregado de incenso e tambores. Caminhei pela rua até o amanhecer. O sol subia, e o corpo, aos poucos, voltava à sua densidade humana. Mas a mente — essa não.
Havia uma palavra que não me deixava em paz: Eric Johnson. Eu não sabia quem era. O nome me viera durante o transe, repetido por uma voz que parecia vir de dentro do meu próprio crânio. Agora ecoava como uma senha esquecida, uma espécie de código cifrado.
Por dias, tentei lembrar. Eric Johnson. Quem? Um músico? Um espírito? Um nome falso?
Nada.
Até que uma noite, sonhei outra vez com a sacerdotisa. Ela estava mais jovem. Seus olhos me observavam do fundo de uma floresta, e o mesmo sorriso leve — o mesmo de aprovação — voltava a surgir. Então percebi: o ritual não terminara. Eu continuava deitado na mesa, em algum ponto entre o corpo e a lembrança.
E talvez Eric Johnson não fosse um nome — mas o som que o mundo faz quando alguém desperta de um sonho que ainda não acabou.
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