Míni-Romance "As Colinas do Silêncio", de Maurício Menossi Flores. Em Processo.
Título Provisório: As Colinas do Silêncio
Gênero: Romance distópico, realismo brutal, política especulativa
Ambientado em: Anápolis-Global, ano de 2142
SINOPSE
Em um planeta com dez bilhões de habitantes, noventa por cento das pessoas nascem com autismo ou síndrome de Down. O mundo que prometia ser mais sensível, afetuoso e justo se tornou o oposto: abandonado pelos Estados, foi ocupado por facções, corporações, igrejas criminosas e redes mafiosas que passaram a controlar o destino dos "inadaptados".
Sob a fachada da ordem, instituições criminosas criam comunidades de controle total, onde neurodivergentes vivem como servos, soldados, mulas ou imagens publicitárias para ONGs de fachada. Mas em uma das Colinas do Silêncio, um grupo de três jovens neurodivergentes inicia uma jornada silenciosa contra a barbárie travestida de proteção.
CAPÍTULO 1 - A LUZ AZUL DO TEMPLO
O dia começava com o alarme suave das colinas. O som era sempre o mesmo: cinco notas que pareciam um canto de baleia misturado com sino de escola. Para muitos, aquilo era conforto. Para outros, uma cela com música.
Tênis alinhados, escova de dente com chip, pá de lixo com código QR. Tudo etiquetado, monitorado, limpo. As casas da Unidade 27 eram azuis claras, com portas de abrir apenas pelo lado de fora. Não havia chave para quem morava dentro.
Joel acordou com o piscar da luz do teto. Ele era do tipo verbal, mas não gostava de palavras longas. Seu vocabulário era de 73 palavras, e com elas ele se bastava. Amava a ordem. Amava o ronco da geladeira. Amava a funcionária que lhe dava as meias toda terça.
Mas naquele dia, algo mudaria.
CAPÍTULO 2 - O ROSTO SEM NOME
A nova cuidadora chegou em silêncio. Era proibido falar nos corredores do bloco 2. Ela trazia um caderno com adesivos. Joel observava debaixo da mesa. Notou que ela não usava o uniforme certo. Em vez de cinza com faixa amarela, era branco com bordado azul.
Ele sussurrou:
— Não pode... azul é pra dia de chuva.
A cuidadora apenas sorriu e colou um adesivo de lobo em seu caderno. Joel nunca havia visto um lobo. No dia seguinte, ela trouxe outro adesivo. Um barquinho. Depois, uma mão. Depois, um olho.
Foi assim que ela começou a ensinar a ele algo proibido: pensar fora do protocolo.
CAPÍTULO 3 - SEMENTES DO COLAPSO
Maria Clara era do tipo silenciosa. Morava na casa 14. Havia aprendido a escapar do circuito das câmeras durante as trocas de turno. Escrevia com pedaços de giz escondidos. Fazia desenhos em pedras. Pedras que deixava perto da cerca.
Lá, um menino chamado Leo as recolhia. Leo não falava. Não desenhava. Mas compreendia tudo. Ele ligava os desenhos e as mudanças nas patrulhas. Começou a traçar um mapa.
Era a primeira tentativa de resistência.
CAPÍTULO 4 - A IGREJA DAS 12 PALAVRAS
A instituição religiosa oficial da Colina chamava-se Irmandade das 12 Palavras. Seus templos eram cúpulas azul-branco. Os hinos eram gravados em voz infantil. Os fiéis repetiam as mesmas 12 palavras todas as semanas, com as mãos na cabeça.
Joel começou a perguntar o porquê.
Perguntar era proibido.
A cuidadora sumiu no dia seguinte. O lobo do adesivo foi apagado da parede com laser.
Joel, Maria Clara e Leo sabiam que se continuassem, seriam levados para o Centro de Readequação.
Mas também sabiam que ninguém mais vigiava o caminho entre o refeitório e o tanque de reciclagem.
CAPÍTULO 5 - AS VOZES DAS MÃES CALADAS
Nem todas as mães haviam desaparecido. Algumas viviam nos "pólos de visitação afetiva", estruturas de concreto com divisórias de vidro e microfone de um lado só.
Numa dessas visitas, a mãe de Maria Clara encostou a testa no vidro. Não disse nada. Apenas desenhou com o dedo uma espiral. Depois outra. Depois um ponto.
Na linguagem escondida das pedras, isso queria dizer: "Há outros como vocês".
Maria Clara saiu da visita com os olhos vazios. Mas no caminho de volta, passou pela lavanderia e puxou uma meia de dentro do tanque. Dentro dela, um código QR desenhado à mão.
Ela deu a meia a Leo.
Ele entendeu.
CAPÍTULO 6 - A ZONA DO DESLIGAMENTO
A Zona do Desligamento ficava além do portão de reciclagem. Era uma faixa de concreto rachado, onde os sensores paravam de funcionar e os vigilantes não pisavam. Diziam que era "radioativa".
Mas Leo descobriu, pelos mapas de patrulha e pelos círculos riscados nas pedras, que era apenas abandonada. Um buraco legal. Um lugar sem lei.
Os três fugiram numa quarta, entre o jantar e o banho. Joel levava a mochila com três objetos: um adesivo de lobo, um cabo de energia, e um desenho de barco.
Atravessaram o tanque, o cano de esgoto e os entulhos.
Do outro lado, não havia radiação.
Havia fumaça de madeira. E vozes.
Vozes sem protocolo.
CAPÍTULO 7 - O ROSTO ATRÁS DO TELHADO
As vozes vinham de uma vila subterrânea chamada Campo 0. Seus moradores eram fugitivos, mães desaparecidas, ex-funcionários arrependidos e crianças sem registro. Tinham apagado seus chips. Viviam entre estantes de livros queimados e circuitos reaproveitados.
A líder se chamava Rute. Antiga monitora da Irmandade, havia fugido após salvar um menino com epilepsia que foi condenado por “instabilidade espiritual”. Ela usava um manto de folhas metálicas e falava com frases curtas, como os meninos da Colina.
Rute olhou para Joel, Clara e Leo. Encostou a testa de cada um com a sua.
— Agora somos treze.
Joel tirou o adesivo de lobo da mochila e o colou numa parede de metal.
Do outro lado do campo, uma nova figura observava de um telhado improvisado. Tinha cicatrizes no rosto e olhos de cor distinta. Alguém que um dia foi do Sistema. E agora, espreitava o movimento da resistência.
CAPÍTULO 8 - BIBLIOTECA SEM LIVROS
A “Biblioteca” era uma antiga central de processamento de lixo eletrônico. Não havia livros impressos. Em seu lugar, torres de circuitos velhos, placas de dados e cabos enterrados.
Leo foi o primeiro a perceber que algumas placas ainda funcionavam. Maria Clara desenhou símbolos em fitas de papel alumínio, e Rute os inseria nos leitores manuais.
Ali dentro, acessaram arquivos ocultos: vídeos antigos de protestos, músicas proibidas, mapas antes da divisão das colinas. A cada descoberta, mais um pedaço da verdade se revelava.
Joel encontrou um arquivo com sua voz. Uma gravação antiga, de antes do sistema.
— Mamãe... luz bonita... casa? — dizia a voz infantil.
Ele segurou o cabo com força. Chorou em silêncio.
Mas então Leo apontou para um mapa do Campo 3. Lá, um local marcado em vermelho: “Armazém de Substituição Cognitiva”.
Era para lá que levavam os desaparecidos.
E era para lá que eles iriam agora.
CAPÍTULO 9 - O DIA DO GRITO SILENCIOSO
O amanhecer trouxe uma névoa densa que cobria o Campo 0 como um véu. Joel, Maria Clara, Leo e Rute preparavam-se para a jornada ao Campo 3, onde o Armazém de Substituição Cognitiva escondia seus horrores.
Eles sabiam que o caminho era perigoso: drones rondavam os céus, e as patrulhas da Irmandade eram implacáveis.
Antes de partirem, Rute deu um discurso curto, cheio de significado para aqueles que falavam com olhares e gestos:
— Não precisamos de gritos. Nosso silêncio é nossa força.
Joel apertou o adesivo de lobo na mão, enquanto Maria Clara fazia sinais para que todos se mantivessem unidos.
A caminhada começou entre sombras e ruínas. Cada passo era uma decisão contra a opressão.

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