Monólogo Teatral "A Correção", Em Processo, Sem Revisão. De Alessandro dos Santos e Maurício Menossi Flores.

 


Monólogo Teatral "A Correção".

Em Processo, Sem Revisão.

De Alessandro dos Santos e Maurício Menossi Flores

Cenário: Um palco minimalista. Ao fundo, uma estante de livros com títulos em hebraico e alguns objetos cabalísticos, como uma Menorá e um diagrama da Árvore da Vida. Uma poltrona ao centro, com um abajur ao lado. Um balcão com uma TV e laptop. Uma xícara de café sobre uma mesa.

Personagem: Um homem brasileiro, Joaquim, em torno dos 40 anos, veste roupas simples e usa um quipá.

(O homem entra, ajusta o quipá e olha para a plateia.)

Joaquim (gravando um vídeo no celular):

“Shalom Lachem. Olá, amigos! Abençoado seja Deus! Baruch Atá Adonai, bendito és Tu, Senhor.

Meu nome é Joaquim, que em hebraico significa ‘O Senhor estabelece’ ou ‘O Senhor levantará’.

Minha vida deu uma guinada inesperada. Eu Joaquim, brasileiro, fui criado no meio do sincretismo. Minhas mãos já acenderam velas para santos católicos e para orixás. Mas um teste de DNA.... Ah, quem diria? Descobri minhas raízes judaicas! Os traços de um povo que atravessou mares de areia e tempos imemoriais estavam aqui, nas minhas veias. Foi como encontrar um mapa escondido no fundo de uma gaveta.

(Ele pega um livro com o diagrama da Árvore da Vida.)

“Descobri a Cabalá. Etz Chaim em hebraico é chamado de A Árvore da Vida. Fala sobre as qualidades do Criador. Kadosh Baruch Hu, "O Santo, Bendito Seja Ele". Essas forças da natureza de Deus são chamadas de Sefirot. Keter é a Coroa de Deus. Chochmah, é a Sabedoria e Binah, o Entendimento.... Cada esfera, um portal. Cada caminho, uma trilha para o Ein Sof – o Infinito. Dediquei-me ao estudo, à busca do Tikun, que é a correção da alma. Transformar desejos egoístas em desejos altruístas. Receber para doar. Mas então, em meio a isso, deparei-me com algo que mexeu realmente com meu cérebro. “Kadosh Baruch Hu, bendito és Tu, Senhor. ‘Melech há Olam, Rei do Universo’.”

(Senta-se na poltrona e liga a TV.)

“Assistindo a um canal no YouTube, o oráculo moderno, o apresentador falava sobre Cabala Prática. Nomes de anjos, combinações de letras hebraicas. Citou o Espiritismo. Disse que havia conexão entre Cabala e comunicação espiritual.

‘Isso é demais para mim! ’, falei em voz forte.  Mas a curiosidade.... Ah, a curiosidade. É como Binah puxando a energia de Chochmah. A inteligência guiada pela sabedoria. Eu fui fundo! Continuei assistindo.

(O apresentador da TV continua...)

‘Vocês conhecem a ectoplasmia? Um fenômeno em que a energia do corpo se condensa, criando uma ponte entre os mundos. Através disso, pode-se conectar com um guia espiritual. ’

(Joaquim continua a gravar o vídeo...)

“Fiz uma espécie de ritual. Uma combinação de preces judaicas, mantras cabalísticos e o rezei o Pai Nosso, intuitivamente, num estalo.

‘Quem sou eu para ignorar uma oração universal? ’ Pensei.

‘Kadosh. Kadosh Baruch Hu. O Santo, Bendito Seja Ele’. Sua santidade e bondade infinita.

Diante de mim, saindo das minhas entranhas, meu Guia Espiritual se materializou. Um homem de olhos serenos, barba longa. Ele falou:

‘Rabino Joaquim, conheça a Carta de Paulo aos Hebreus. ’

‘Paulo? Hebreus? O que um apóstolo cristão tem a ver com Cabala ou Espiritismo? ’ Refleti comigo mesmo.

 Guia materializado respondeu:

‘Não ignore esta mensagem. ’

Voltei para a TV e pesquisei ‘Carta aos Hebreus’.

Disse o Locutor: ‘Será que foi Paulo mesmo quem escreveu essa carta? Uns dizem que sim, outros não. Chico Xavier, o médium mineiro. Em Paulo e Estevão, diz que Paulo é, sim, o autor. ’

Imediatamente encomendei, pelo laptop o livro Paulo e Estevão.

‘Tenho que saber mais! ’ (Fala isso com o laptop em mãos.)

Enquanto encomendava o livro, surgiu a propaganda de outro livro de Chico Xavier: Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

Li a descrição:

‘Nesse livro, o autor fala que o maior inimigo é o materialismo. ’

 Refleti:

‘Não é isso que a Cabala também nos ensina? Que o apego ao mundo material nos distancia da nossa verdadeira essência? ’

Em nova sessão de ectoplasmia, o guia voltou. Desta vez, com uma missão. Ele me falou:

‘Vejo o Brasil, iluminado, mas cercado por barulho, sujeira e as cracolândias, símbolos do materialismo que corrompe a alma coletiva. ’

Percebi que minha missão é combater essas forças. É preciso calar o barulho para ouvir a voz interior. Limpar as ruas para que a luz possa brilhar. Restaurar vidas para que a conexão com o divino se revele. O Tikun, a correção do Brasil é o Tikun de cada alma. E para isso, eu devo começar por mim mesmo. ”

 (Ele pega outro telefone, liga para alguém e fala com calma, mas firme.)

“‘Sim, sou eu. Precisamos organizar um mutirão de limpeza aqui no bairro. Não é só para limpar as ruas.... Quero que seja uma ação maior. Conversar com as escolas, envolver a comunidade.... Certo, domingo às oito. Obrigado. ’

Queridos seguidores, é assim que ajo. Grato pelo likes, pelos comentários e pelas inscrições! Agora, despeço-me, pois irei a campo! ” 

(Desliga e vai até a estante, pega sacos de lixo, panfletos e cartazes. Coloca tudo em uma mochila. Em seguida, pega uma vassoura e um conjunto de cartazes escritos “Silêncio é ouro” e “Limpeza externa, pureza interna”. Ele se movimenta rapidamente pelo palco, como se preparasse uma cena real: coloca luvas na mochila, enrola os cartazes, posiciona tudo ao alcance das mãos. Sem falar, coloca a mochila nas costas, pega a vassoura e caminha em direção à saída. Antes de sair, para, olha para cima e murmura para si mesmo, quase como uma prece.)

“Paulo, Chico, Zohar, Cabala... Todos dizem a mesma coisa: o Tikun começa aqui e agora. ” “kadosh Baruch Hu, Kadosh Baruch Hu!”

(O som de um toque de celular ecoa. Joaquim atende, preocupado.)

"Alô?"

(Pausa. A expressão de Joaquim muda, agora séria.)

"Mas por quê? Não.... Não pode ser! Eu já organizei tudo!

A prefeitura? Cancelaram nossa autorização para o mutirão? Alegam razões de segurança? Razões de segurança! Desde quando limpar o bairro ameaça alguém?!

Claro. Sempre assim... Quando é para mudar algo, sempre há uma pedra no caminho. Será isso um teste, Kadosh Baruch Hu?"

(Joaquim volta à poltrona, senta-se, respira fundo. Fecha os olhos como em meditação, buscando respostas. De repente, a luz no palco muda, um foco suave ilumina a estante. Joaquim abre os olhos, e o Guia Espiritual materializa-se, dessa vez com um semblante sério.)

"’Joaquim, sua missão não será fácil. O Tikun de uma alma é árduo; o Tikun de um povo, ainda mais. Forças contrárias tentarão te deter. ’

Mas como? Por que? Não estou fazendo nada de errado!

‘O egoísmo coletivo resiste à correção. Há aqueles que preferem o caos ao silêncio, o lixo à pureza, o barulho ao som da alma. Você deve superar. ’

E se eu fracassar?

‘Você só fracassa se desistir. A luta é o que importa. ’ (Colocando a mão no ombro de Joaquim.)

(O Guia desaparece lentamente. Joaquim permanece imóvel por alguns segundos, refletindo, e então se levanta com determinação renovada.)

“Se querem nos impedir... então, vamos agir de outra forma. Não precisamos de autorização para começar dentro de nossas casas, nossas escolas, nossos corações. A limpeza começa aqui!"

(Ele pega o celular e envia mensagens rápidas.)

(Ele pega seus cartazes, ajusta a mochila, e antes de sair, olha para cima novamente, como em oração.)

"Kadosh Baruch Hu, guia-me. Não importa quantos se oponham, a luz deve brilhar!

Canta:

‘Ana Bekoach gedulat yemincha tatir tzerura.

Kabel rinat amcha, sagveinu tahareinu nora.

Na gibor dorshei yichudecha, kevavat shomrem.

Barechem taharem, rachamei tzidkatecha tamid gamlem.

Chasin kadosh berov tuvcha, nahel adatecha.

Yachid ge’eh le’amcha, p'neh zochrei kedushatecha.

Shavateinu kabel, ushma tza’akateinu, yode’a ta’alumot. ’

Tradução:

‘Por favor, com a força da Tua grande mão, liberta os cativos.

Aceita a oração do Teu povo; eleva-nos, purifica-nos, oh, Poderoso!

Por favor, ó herói, aqueles que buscam a Tua unicidade, protege-os como a pupila dos olhos.

Abençoa-os, purifica-os, concede-lhes a Tua justiça, recompensando-os sempre.

Oh, forte, santo, com a abundância da Tua bondade, guia a Tua congregação.

O único e elevado, volta-Te para o Teu povo que se lembra da Tua santidade.

Aceita os nossos clamores e ouve o nosso grito, oh, Conhecedor dos segredos ocultos. ’”

(Ele sai decidido, e o som da vassoura e das vozes comunitárias retornam. O palco escurece lentamente, enquanto as palavras finais de sua canção ecoam no teatro.)

FIM

 

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