Análise Sintática do Tarô. Projeto Educativo-Cultural dos Professores Maurício Flores e Alessandro dos Santos. Ano 2020.

(Em processo, sem revisão)

Propomos, a princípio, tirar três cartas das 78 do baralho de Tarô, criar frase(s) livremente, levando ou não em consideração as palavras-chave de interpretação das cartas, já consagradas em vasta literatura. Analisamos sintaticamente cada frase e buscamos relações dos blocos de palavras percebidos nessas frases com a imagem de cada carta correspondente. Visamos, assim, por enquanto, perceber melhor maneira entender e ensinar, nas escolas, análise sintática e melhor maneira de interpretar o Tarô. 

Exemplo:


Frase: O anjo atirou a moça do penhasco, quando o rei avistou o navio à deriva.


O anjo: sujeito da oração principal
Atirou a moça do penhasco: predicado da oração principal

Quando: conjunção temporal

O rei: sujeito da oração subordinada adverbial temporal
Avistou o navio à deriva: predicado da oração subordinada adverbial temporal

Obviamente, cada oração do período composto acima poderia ser destrinchada em seus termos integrantes e acessórios, ainda. Mas, para esta introdução, fiquemos por aí.

Nosso próximo passo é relacionar a análise às cartas...

Como o número de cartas é aleatório e depende de cada forma de jogar, não há uma correspondência direta e necessária entre os blocos de palavras e as cartas correspondentes.

O primeiro bloco de palavras, o sujeito da oração principal, relaciona-se com a primeira carta, "dois de copas", assim como o predicado da mesma oração. A relação de dependência na oração criada, sujeito e predicado, reflete-se no expresso pela carta em sua imagem, de alguma maneira, ou seja, a moça submetida ao anjo. Lembramos que a frase criada é livre e não se prendeu a qualquer palavra-chave ou conceito elaborado previamente por especialistas em Tarô. Aliás, não dispensamos, aqui, tal possibilidade, ao contrário, ela é desejável, também.

As duas próximas cartas tiradas, o "rei de paus" e o "nove de paus", correspondem à oração subordinada adverbial temporal. O rei isolado pode denotar o sujeito da oração, como termo essencial. "Avistou o navio à deriva", o predicado da oração em questão, pode conotar, em seu isolamento, a própria deriva, porém, de maneira concreta, na oração, as suas cartas se completam em sujeito e predicado. Há entre elas forte relação estrutural. O próprio verbo "avistou" coloca o rei na cena do "nove de paus". A conjunção "quando" é multifacetada, não deixando claro se existe uma relação mais orgânica entre os dois fatos narrados.

Este exercício, em desenvolvimento, deveras capenga em sua fase germinativa, serve, pelo menos, para mostrar a possibilidade dessa tentativa de compreensão da relação entre imagem e texto e para mostrar, se exercitado constantemente, haver maiores possibilidades de criar elementos de ancoragem da simbologia do Tarô em nossa memória.

Talvez, não exista uma sintaxe, no sentido exposto, do Tarô, mas, certamente, existe a sintaxe do jogador de Tarô.

Diante disso, sem abandonar ou desprezar todas as "sintaxes" (formas de jogar, disposição das cartas e o significado de cada posição), podemos por em relevo o papel do jogador, em sua forma habitual de narrar uma história. Isso sobrepõe-se a qualquer outra forma subjacente, liberando o praticante de adotar, forçosamente, autores de Tarô.

No exercício abaixo, criamos uma estrutura básica de narrativa, especificando, apenas, parágrafos e marcações (pontuações) de períodos, dentro desses parágrafos. Tiramos quatro cartas, após embaralhar bem o maço todo, com as 78 cartas, cortar e abrir em leque. Propusemos um título, uma pergunta a ser respondida utilizando uma palavra-chave convencional para cada carta e observando, livremente, o desenho da própria carta inventamos uma história.





Dentro de cada período, poderíamos especificar a estrutura sintática de cada oração, deixando o "jogo" mais complexo, ainda.

Não se trata, aqui, de estabelecer formas e receitas de compor uma narrativa. O que pode haver é ser, também, a estrutura narrativa um arquétipo, uma forma repetida por gerações e gerações de jogadores de Tarô profissionais e amadores que se fixou, de alguma maneira, na mente de todos os humanos. Essa estrutura é um tanto ignorada, até o momento de nossas pesquisas, pelos estudiosos da narrativa através e pelo Tarô. Existem autores falando dessas estruturas, mas sem tratá-las como arquétipos, assim nos parece, por enquanto. 




No jogo acima, Marla O'Hara faz uma pergunta sobre Maurício Flores. O texto foi, novamente, estruturado em quatro parágrafos, com períodos pontuados previamente. Escolhemos palavras-chaves convencionais para cada carta, porém não estipulamos significados para cada posição (vendo as cartas da esquerda para a direita), comum nas "sintaxes" tradicionais do Tarô.

O texto elaborado ficou "poético", ao estilo "fala de pitonisa", como observou Alessandro dos Santos. Não é necessário ser sempre assim... Inclusive, isso fez com precisássemos explicar o mesmo para a Marla, gerando outro texto não anotado, no caso.

Quando compomos uma narrativa (dissertação, descrição, etc) na estrutura adotada, fica meio estabelecido que o primeiro parágrafo é a "tese". Os segundo e terceiro, são o desenvolvimento dessa tese, a explicação, a defesa. O último, o quarto, é a conclusão. Ou seja, há, sim, um significado implícito para cada "posição".

No próximo modelo de estrutura, introduzimos vírgulas e dois pontos dentro das orações dos períodos...


Quando dispusemos as cartas, o raciocínio para compor a narrativa ficou menos fluido, devido às vírgulas e aos dois pontos, porém enriqueceu-se com a obrigatoriedade de pensarmos mais, antes de escrever.


Já mais atentos em encadear o fluxo das ideias em introdução, desenvolvimento e conclusão, a narrativa ficou menos obscura. As pontuações obrigam o pensamento a formular-se em uma lógica, trazendo sentido próprio ao texto.

Nessa espécie de engenharia reversa, sentimos, mais precisamente, as estruturas utilizadas, provavelmente, por todos, dentro de seus estilos próprios, na composição, quer de textos escritos, quer através somente da fala. A análise sintática, onde pretendemos chegar, é uma espécie de logos que perdeu o glamour, um arquétipo utilizado, inclusive, pelos jogadores de Tarô ao qual não se presta muita atenção, ou atenção sistemática.

Alessandro dos Santos, empenhado na análise sintática do Tarô, mostra o seguinte:



A conclusão de que o Tarô possui estrutura relacionada intrinsecamente à língua (falada e escrita) deve ser porque é um sistema de elementos intercambiáveis, a ser disposto em sequências. As próprias formas criadas nessas sequências criadas estruturam-se, ou podem estruturar-se, nas narrativas criadas.

Em um jogo de Tarô cada carta, com o seu significado próprio, ocupa uma posição como se fossem palavras em uma frase, e cada posição tem um significado, como acontece em qualquer frase escrita ou falada.

Jogo de Alessandro dos Santos.

Observem o texto abaixo (sem revisão), criado por Alessandro dos Santos, a partir do jogo acima.

"Terei sucesso escolhendo a estrutura de casamento? O Sol e a Lua. A origem: O herói na sua origem se encontra em uma paralisia do seu verdadeiro desejo na sua verdade interior, portanto, a sua vontade. O herói começa sua jornada sem o heroísmo e sua personalidade está deixada aos comandos do aleatório. Ele não tem o livre-arbítrio apurado. Não é dono de comando da própria vida. Está a deriva no mar da inconsciência e apenas responde a padrões do coletivo de reflexo sem analisar suas atitudes se está verdadeiramente exercitando sua vontade ou a vontade do outro. Por medo ainda é condescendente tolerando a tempos todas as imposições obrigatórias de cunho absolutista social. Não que o mundo da sociedade e interação seja uma incômodo, mas socializar sem a nossa identidade real e verdadeira é se associar já se desassociando do outro. Isso porque se está desassociado de si mesmo. Quem vê esse, logo sabe de se tratar de alguém que não está em seu ambiente natural como dizem as línguas vulgares do bullyng: ele é sapo de fora e um mala! O seu mundo está em suas mãos e é nele que o herói reflete. O seu desejo ou o desejo do social. Dois bastões compõe a imagem de cujo significado revela o apoio da autêntica verdade do desejo. Ele está prestes em fazer escolhas que decidirá o seu futuro. E agora? Decidir o que deseja ou o dever deve decidir. Mas, que dever deve seguir se já está decidido?! O dois de paus é uma arquétipo de tomar para si seu mundo dos desejos numa mão e na outra esquerda, receber como presente o bastão da vontade. Ser assertivo será tomar das mãos e agarrar o que lhe pertence que é sua própria vida que se encontra a deriva. O Diabo sussurra-lhe o ouvido suprindo suas mais íntimas necessidades de como que se tentasse a agir de forma genuína e autêntica. E a verdade nua e crua surge da paixão de seus desejos. A busca do relacionamento real da vida consigo mesmo, um porto de esperanças e temores frente o enfrentamento da responsabilidade de seguir seu próprio rumo ao desconhecido de si. - Que horas que são? - Por que quer saber?Abandonaste o tempo a muito tempo. Ele se olha logo de manhã ao espelho para lavar o rosto e se defronta com suas palavras ecoando em voz inaudível confinada em seu cérebro. A voz continua... - E suas esperanças? -Quais?! Oras, pensei que tivesses dito que agora iria mudar de vida? -Que vida? - Olha agora para ela. O que vês?! - Minha necessidade é de ter fôlego e adentar na vida e pegá-la por entre os cornos e me vingar de algum amálgama que não me faz bem. Livrar-me de qualquer coisa que diga que nem ao menos sou. Eu tenho que ser EU sem querer fazer o papel e o modelo social imposto. - O que faz você aí parado olhando para mim. Nem sei se digo A um desconhecido e nem ao menos sei se nos conhecemos?!! Apresentar-nos-emos então... Ahhhh, bem... Prazer, ainda não nos conhecemos. - Prazer! Mas ao menos deixe-me saber seu nome? - Me chamo Lua e seu nome provavelmente é?... - Ó, desculpe a falta de um fino trato. Hélio, até então o que eu saiba! - Sabe, Sr. Hélio, da última vez em que te vi eras mais jovem. Um rapazote de primaveras que carregava na fronte suaves brisas de pouca idade. Não eras consciente no todo e não olhavas com esses olhos carregados de ferraduras. Crepitando a faísca de seu olhar, que agora não mais um tanto meigo e sereno, como dantes, mas um imperador consciente e sondando os meus pensamentos e minhas expressões! Me diga ainda não me conheces? - Confesso que não. A Lua seria a última promessa e o último caminho a seguir, por fim! Uma Lua eclipsada pela encriptação do Sol que antes deixou lembranças radiantes. Hoje minhas esperanças vasculham os antigos e empoeirados instrumentos daquela velha alquimia de transformar o chumbo em ouro. Atualmente penso que descobri o enigma ao meu jeito, é claro. Avaliar e procurar trabalhar o ouro interno. Quem sou? O que há de valioso em mim? Que ouro posso encontrar na minha carcaça que cheira a pó. Um odor podre e quase provasse a fel! - Puderas pensar assim se deveras não ser esses seus maiores tremores e anseios. Sua força manifesta do Sol e na Lua a sustentação da sombra do Eu Sou! Quem és já sabe, herói de duas faces e de dois bastões. Carregas na mão direita o mundo e na esquerda o cajado. A escolha do tempo do seu mundo. O seu desejo sombreado na choupana da liberdade e do meio caminho que turva a visão. Um lagostim receia voltar ao lago do fugir para dentro de si. Um impulso mais forte da paixão te faz diabo impulsiona para frente entre um lobo e um cão. Não tentes escapar e não leves alforjes nem pão! Tenha seu corpo de vento e de espaço e leve passos de brisas em plumas e teus pés descalços no chão. Um caminho turvo em mim e para mim descansa na minha face prateada. Nem podes imaginar a minha vontade de te olhar de frente e te encarar de olho no olho. Algo que só a verdade pode declarar o que se esconde e revela em meu lado oculto. Qual humano já viu minha outra face?... - É por isso que digo que não conheço quem verdadeiramente é? Quem eu agora vejo olha de soslaio e não me encara nos olhos a visão! - Hélio, quem o encararia o brilho de tua face? - Não me escondas! - Me deseje! - Quem tu és? - Quem que você vê nesse espelho, meu Deus! - Quem que falo que não sei? - Sou você em teu brilho. - Quem sou? - Quem de todo somos!!!"



Nele encontramos os elementos de qualquer redação (introdução, desenvolvimento, conclusão, tempo, espaço, narrador, ação), considerados, por nós, como arquetípicos. Melhor dizendo, uma estrutura considerada arquetípica.

Ninguém pode afirmar se o inventor do Tarô, até hoje desconhecido, pensava em arquétipos, no sentido que a palavra tem atualmente, e em um sistema de contar histórias a partir da própria estrutura do idioma. Talvez as figuras representadas nos arcanos maiores, por exemplo, fossem, somente, elementos rotineiros, do dia a dia, e o intercambiamento das cartas tenha surgido por acaso. Seja como for, com o seu uso, pela tradição, passou a sê-lo.

O próprio vídeo revela como a estrutura do jogo interpenetra a estrutura da narrativa e vice-versa. Esses dois eixos sobrepostos, projetados um sobre o outro, essa intertextualidade em ressonância, são o jogo do Tarô. As posições ocupadas pelas cartas, em qualquer dispositivo, procuram explorar elementos da narrativa.

E qual seria uma maneira de fazer com que essa própria estrutura seja aleatória, apesar de ser rígida em introdução, desenvolvimento e conclusão? De que maneira essa estrutura sintática pode ser adivinhatória, um acesso ao inconsciente coletivo, ao Todo, sugerido pelos atos falhos e pela livre associação de palavras, por exemplo?

Pensamos na seguinte possibilidade: as cartas serem dispostas sobre a mesa de maneira caótica (será?), sem nos apegarmos à ordem de tirada das cartas para compor a história.




Todas essas observações poderiam nos conduzir a definir Tarô como um conjunto de cartas com significados próprios a serem manipuladas de maneira a ocuparem posições passíveis de intercambiamentos. Fugiríamos, assim, da definição de grande parte dos tarólogos atuais, ao descreverem o jogo como 78 cartas divididas em arcanos maiores e arcanos menores, onde os maiores seriam arquétipos mais gerais e abstratos e os menores aqueles que representariam mais o dia a dia e o mundo cotidiano, dentre outros aspectos do jogo oracular. Nossa ênfase recai sobre o aspecto físico do jogo (cartas manipuláveis) e seu poder narrativo, dentro de uma estrutura sintática típica dos falantes e escreventes, dando ênfase ao poder oracular da própria contação de história (em sentido amplo), tendo como objetivo maior desenvolver o poder de persuasão do jogador, em interação com o consulente na composição de trama literária única e espetacular, impressionante, marcante de um momento mágico.

Esse poder de persuasão, esse poder oracular de todo enunciado, esse demiurgo "encarnado" em sons, imagens, odores, sensações, do qual o ser humano é portador, é capaz de alterar comportamentos, principalmente quando atinge a capacidade filosófica, como os possíveis diálogos entre os primitivos cristãos que, imbuídos dele, alegravam-se em servir "A Palavra" (no princípio era o Verbo, a palavra mata o espírito vivifica, não é o que entra mais o que sai da boca que mata...), deixando-se imolar nas arenas romanas.

A análise sintática do Tarô é a análise do texto e da fala intertextual produzidos durante o jogo. Não visa corrigir gramaticalmente o jogador/ator/criador, em sinergia com o consulente e com o próprio Universo, mas tornar o jogo tirado consciente em sua forma e conteúdo.


Há, pelo menos, a possibilidade de se construir uma teoria sobre o Tarô sem recorrermos exatamente, sempre, ao significado das cartas fundamentalmente. Assim poderia ser:

- O Tarô é um sistema de cartas intercambiáveis;
- Cada carta possui um valor máximo e um valor mínimo, ou seja, pode ser tomada individualmente com seu conteúdo simbólico total, ou pode adquirir valor mais relativo, em conjunto com outras cartas, em blocos;
- O jogo em si possui uma estrutura e estas são infinitas em suas formas ( a  partir da distribuição das cartas sobre a mesa);
- Todo jogo precisa ser interpretado recorrendo-se, inclusive, à intertextualidade;
- Na interpretação do jogo somos livres para utilizar quaisquer conhecimentos filosóficos, artísticos, científicos, etc;
- Com o jogo do Tarô, cria-se narrativas frutos de uma sinergia entre o jogo em si, o jogador e o consulente e estas dependem da personalidade de quem criou as palavras chaves e os conceitos para as estruturas do jogo utilizado e da passividade, assertividade ou agressividade do jogador e do consulente. 

Mas vejam isto...




Continua...

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