Conto "O Novato", De Maurício Menossi Flores.
O Novato.
(Conto em processo, sem revisão.)
Era uma tarde abafada quando Henrique adentrou pela primeira vez o plenário da câmara municipal. Aos 32 anos, havia vencido as eleições com uma campanha baseada na ética, no compromisso com o bem comum e, sobretudo, na esperança de que a política pudesse ser diferente. Vestindo um terno que ainda lhe parecia emprestado, cruzou o salão com um misto de orgulho e nervosismo.
Os primeiros minutos foram dedicados a
cumprimentos formais. Os vereadores mais antigos, veteranos de longas
carreiras, o saudaram com sorrisos que flertavam entre o condescendente e o
cínico. Henrique notou a informalidade exagerada com que muitos tratavam o
ambiente, como se o salão fosse mais uma extensão de seus escritórios
particulares do que o palco de discussões que moldariam a vida da cidade.
Logo que a sessão foi aberta, percebeu a dinâmica
do jogo. Projetos eram apresentados sem a menor cerimônia. Votações ocorriam à
toque de caixa. As discussões se limitavam a trocas de favores veladas e piadas
mal disfarçadas sobre acordos que claramente não estavam ali para beneficiar a
população. Henrique, sentado em sua cadeira de couro puído, sentiu o peso de
cada palavra não dita.
Então, veio o ponto alto do dia: a votação de um
aumento expressivo nos salários dos vereadores. Uma proposta que ele sequer
sabia que estava na pauta, mas que todos os demais pareciam plenamente cientes
e, mais que isso, dispostos a aprovar sem pestanejar. Henrique franziu a testa,
tentando buscar nos rostos ao redor algum indício de dúvida ou constrangimento.
Nada.
Quando chegou sua vez de votar, respirou fundo.
“Sou contra”, disse, com a voz firme. O silêncio que se seguiu foi breve, mas
ensurdecedor. Alguns colegas riram, outros apenas trocaram olhares de surpresa
ou desdém. O presidente da câmara nem se deu ao trabalho de esconder o
sarcasmo. “Temos um idealista por aqui, senhores”, comentou, arrancando risos
abafados.
A sessão continuou, mas Henrique mal ouvia. Sua
mente fervilhava em um conflito interno que parecia não ter solução. Estava
mesmo disposto a ser o “exotismo” em um sistema que funcionava à revelia do que
sempre acreditou? Ou deveria, como sugeriam os mais experientes, “conhecer
melhor o jogo” e se adaptar para sobreviver?
Quando a reunião terminou, um dos vereadores mais
antigos, o sorridente e dissimulado Alencar, aproximou-se dele. “Garoto, deixa
eu te dar um conselho: aqui ninguém gosta de heróis. Faz o teu, aprende a
navegar nessas águas e, quem sabe, você chega longe. Agora, se ficar bancando o
santinho... bem, você entende. ”
Henrique voltou para casa tarde, com a sensação
de que sua pele pesava mais do que deveria. Olhou o espelho e viu nos próprios
olhos a batalha que ainda estava por ser vencida. Decidiu que não se curvaria,
mas também sabia que o preço de sua integridade seria cobrado a cada dia.
No dia seguinte, voltou ao plenário com um brilho
diferente no olhar. Se era para nadar contra a maré, que fosse com coragem.
Talvez não pudesse mudar o mundo, mas faria questão de ser a voz dissonante que
lembraria aos demais por que estavam ali. Nem que fosse apenas para si mesmo.
Maurício Menossi Flores
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