Conto "Missa da Redenção", De Maurício Menossi Flores.
Missa da Redenção.
(Conto em processo, sem revisão.)
Naquela tarde de domingo, a Catedral da Sé transbordava
com a energia de uma multidão. Fiéis de todas as partes de São Paulo se reuniam
em uma missa-manifestação para clamar pela liberdade da cidade, que parecia
curvar-se ao jugo do crime organizado. Entre os presentes, estavam Antônio e
Miguel, dois amigos de longa data, ambos ciclistas apaixonados pela urbe e por
sua efervescência cultural, mas profundamente preocupados com os rumos sombrios
que a cidade vinha tomando.
A celebração era intensa. A leitura da Carta aos
Hebreus de Paulo trouxe à tona uma mensagem de esperança e redenção: “Corramos
com perseverança a corrida que nos está proposta, mantendo os olhos fixos em
Jesus, o autor e consumador da nossa fé”. O sermão do padre, inflamado e cheio
de paixão, convocava a resistência e a união, provocando aplausos e lágrimas na
multidão.
Ao fim da missa, a dupla montou em suas
bicicletas e partiu para casa. Decidiram evitar o trânsito caótico das grandes
avenidas e seguir por caminhos menos usuais. Mal sabiam que a jornada seria
muito mais do que uma simples volta para casa.
Logo ao saírem da região central, um cachorro de
rua, magro e de olhos brilhantes, passou a segui-los. Era como se o animal
tivesse escolhido os dois como companheiros. Miguel, sempre sensível aos
animais, parou a bicicleta e ofereceu um pedaço de seu lanche ao cão, que o
comeu com avidez. Antônio, com um sorriso no rosto, sugeriu que o chamassem de
"Hebreu", em homenagem à leitura da missa.
Os três seguiram juntos, atravessando ruas
silenciosas e becos apertados. Foi então que, ao dobrarem uma esquina,
depararam-se com um grupo suspeito descarregando caixas de uma van preta. O
clima era tenso, e os homens pareciam armados. Miguel sussurrou para Antônio:
— Melhor darmos meia-volta, devagar.
Mas Hebreu, em sua inocência, latiu. Os homens se
voltaram imediatamente para o grupo. Um deles gritou:
— Ei! Vocês viram demais!
Sem pensar duas vezes, Antônio e Miguel pedalaram
como nunca, com Hebreu correndo ao lado. O som de passos e gritos ecoava atrás
deles. Passaram por vielas, subiram rampas e cruzaram pontes, tentando
despistar os perseguidores. Em determinado momento, encontraram uma mudança de
nível formada por vários lances de escadas antigas, feitas de tijolos e
ladeadas por muros cobertos de musgo.
— Ali! — apontou Miguel, ofegante. — É nossa
única chance!
Os três adentraram o espaço e começaram a descer
rapidamente os degraus. As escadas, embora sólidas, eram irregulares, e o som
dos passos ecoava entre os lances. Hebreu, excitado e atento, liderava o
caminho, enquanto o som dos perseguidores ficava cada vez mais próximo. Miguel
olhou para Antônio, preocupado.
— Precisamos de um plano.
No meio do percurso, encontraram um portão de
ferro parcialmente enferrujado, escondido por heras. Miguel, sempre observador,
notou um mecanismo ao lado e, sem hesitar, girou uma antiga roda metálica. Para
sua surpresa, uma grade pesada deslizou pelo caminho acima, bloqueando a
passagem e deixando os perseguidores isolados no nível superior. Os gritos
ficaram abafados, e a dupla respirou aliviada.
Continuaram descendo os lances de escada até
chegarem a uma saída que dava para um jardim abandonado, oculto por muros altos
cobertos de hera. Aproveitaram a oportunidade para fugir rapidamente, deixando
o local e os perseguidores para trás.
Quando finalmente chegaram à casa de Miguel,
estavam exaustos, mas aliviados. Hebreu, agora parte da família, deitou-se no
tapete da sala e adormeceu. Antônio riu e disse:
— Hoje, corremos a corrida que nos foi proposta,
não foi?
Miguel sorriu e respondeu:
— Com certeza. E vencemos.
Os dois brindaram com um copo d’água e, enquanto
a cidade pulsava lá fora, sentiram que, de alguma forma, haviam feito jus à
esperança pregada naquela tarde.
Maurício Menossi Flores
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