Conto "A Ordem Subjacente", De Maurício Menossi Flores.

 


A Ordem Subjacente.

(Conto em processo, sem revisão.)

Era uma tarde de sol tímido, e dentro da sala apertada da Oficina Cultural de Artes, parecia reinar o caos. Era como se um furacão tivesse passado por lá, mas em vez de destroçar tudo, deixara cores, formas e sons espalhados de maneira atônita. Tintas pingavam das paredes e, em cada canto, grupos de alunos tentavam dar vida a algo que à primeira vista parecia sem sentido.

Num canto, pinturas eram trabalhadas incessantemente, mas nunca pareciam prontas. Os alunos debatiam, frustrados, sobre as cores e os traços. Em outro canto, bonecos feitos de papel e materiais recicláveis encenavam trechos desconexos de peças teatrais, e os atores — ou talvez animadores — se perdiam em discussões sobre onde aquilo levaria. Nada parecia se conectar.

No centro de toda essa confusão estava Dona Clara, a professora da oficina. De olhos serenos e sorriso paciente, ela transitava de grupo em grupo, orientando aqui e ali com palavras tranquilas e gestos meticulosos. Mas mesmo sua paciência às vezes parecia um pouco deslocada naquele ambiente em que os alunos estavam à beira da exaustão.

Foi então que Pedro, um dos participantes mais curiosos e inquietos, encontrou algo inusitado. Na prateleira empoeirada ao fundo da sala, ele percebeu um livro esquecido entre caixas de materiais. A capa era desgastada e o título quase ilegível, mas as palavras “Teoria da Composição Total” o intrigaram. Folheando rapidamente, Pedro viu diagramas que pareciam espelhar o que estavam tentando fazer na oficina: imagens de pinturas fundindo-se a cenários teatrais e textos explicando como diferentes formas de arte podiam se entrelaçar para criar um todo coeso.

Pedro, com olhos brilhando de entusiasmo, percebeu que aquele livro continha a chave para entender o caos que os cercava. Ele tentou mostrar à professora, mas Clara, com um sorriso um tanto estranho, pegou o livro de suas mãos.

“Ah, sim, este livro...” murmurou ela. “Interessante, não? ”

Naquela noite, enquanto Pedro tentava lembrar os trechos que havia lido, Clara saiu da oficina com o livro em sua bolsa. Dias depois, Pedro decidiu procurar o mesmo título em um sebo. Após uma busca intensa, ele finalmente encontrou uma única cópia — uma edição em inglês, antiga e cara.

Mas antes que pudesse comprá-lo, uma figura familiar apareceu. Clara, com passos decididos, pegou o livro na sua frente, entregou ao vendedor o dinheiro e saiu, deixando Pedro estupefato. Ele tentou abordá-la, mas a professora apenas disse:

“Nem sempre o conhecimento precisa estar nas mãos de todos, Pedro. Você precisa aprender a confiar no processo, mesmo sem entender tudo. ”

A partir daquele dia, Pedro sentiu-se ainda mais determinado a desvendar o mistério por conta própria. Ele começou a observar atentamente os grupos, os processos, e, de maneira intuitiva, conectou os pontos. Enquanto Clara revisava seus passos, parecia que ela deliberadamente mantinha o caos vivo, guiando os alunos a tropeços até que, talvez, por algum milagre, eles mesmos percebessem o elo invisível entre as partes.

O grande dia da apresentação chegou. O público entrou na sala, e para surpresa de todos, o caos tornou-se beleza. As pinturas eram o pano de fundo perfeito para as cenas teatrais, e os bonecos, antes desajeitados, dançavam em harmonia com os atores. Pedro, agora compreendendo o todo, percebeu que Clara havia usado o caos como ferramenta para criar algo maior do que qualquer um deles poderia imaginar sozinho.

No fim, Clara parabenizou os alunos, mas Pedro não resistiu e perguntou:

“Por que você tentou comprar aquele livro? E ainda mais em inglês! Não confiou que eu conseguiria descobrir sozinho? ”

Ela sorriu enigmaticamente e respondeu:

“Porque o verdadeiro aprendizado, Pedro, não está nos livros, mas na experiência. E veja, você conseguiu."

 

Maurício Menossi Flores

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